sábado, setembro 19, 2009

AQUELE PORRE


Por Letícia Vidica

Primeiro porre é como primeira vez. Todo mundo vai ter um dia, nem sempre é tão bom e ninguém nunca mais esquece. Apesar de ser uma experiência vivida por muita gente os efeitos não são os mesmos para todo mundo, mas as desculpas de quem quer tomar um porre são quase sempre as mesmas:

Tem gente que toma um porre para se libertar. Sabe aqueles caras ou aquelas minas que são tímidas, mas aproveitam a bebedeira para se libertar dos paradigmas, dançar o Créu em cima da mesa do bar na maior naturalidade e não sentir a menor culpa por isso? Ou para dar para o primeiro cara que te olha e acordar descabelada no dia seguinte na cama de um desconhecido sem o menor pudor?

Tem gente que toma um porre para afogar as mágoas, o típico porre romântico. Levou um fora do gato e precisa de um consolo. Nada melhor do que um porre para consolar. O porre nesse caso se torna o melhor terapeuta que alguns podem ter. É beber e chorar, chorar e beber na ordem que você quiser.

Tem gente que toma um porre para se socializar. Já parou para pensar que se não fosse aquele porre muita gente por aí não teria amigos?

E tem gente que toma um porre porque simplesmente quer tomar e pronto! "Hoje eu vou tomar um porre não me socorre que eu tô afim..."

Geralmente, eu costumo tomar um porre por essa última opção. Simplesmente porque tô afim.

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- Diana, não acha que está na hora de parar? Já bebeu demais por hoje!
- Ihhhhh, Betinaaaa...pô parar...eu avisei que hoje eu queria sair para beber e eu vou beber até cansar...eu vou tomar um porre não me socorre que eu tô afim...larga a mão de ser chata.
- Vixi, Betina, quando começa a cantar é que o negócio tá feio hein? - dizia Lili já reconhecendo os meus típicos sinais de que eu já havia bebido demais.
- Ok, Diana, não quero cortar o barato de ninguém, mas já são quase 5 horas da manhã e a gente está aqui desde às 22h?!
- Olha, eu fui...vocês são muito chatas, sabia? ...eu vou dançar que eu ganho mais... Uhuuuu

Não sei como e qual foi a ordem dos fatores só sei que amanheci no dia seguinte com a maior dor de cabeça, daquelas que um simples barulho de folhas balançando se assemelham ao tiro de canhão ao pé do ouvido.

- Hora de acordar, mocinha...
- Ai, Betina, fecha essa janela, pelo amor de Deus - eu disse cobrindo o rosto para esconder os raios solares que infiltravam na minha mente - que horas são?
- Hora de acordar, moça. Mas você abusou ontem hein?
- Eu?! Não consigo me lembrar de nada...
- Talvez porque você apagou e tivemos que pedir pro Pedrão te carregar até o carro né? Nunca vi...vai ter pique assim para beber hein?
- Só sei que minha cabeça tá doendo muito...eu não vou levantar da cama hoje...
- Acho difícil que isso aconteça hein? O Pierre já ligou umas dez vezes atrás de você...

Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, a minha campainha tocou e o Pierre entrou como um furacão no quarto.

- Caramba, Diana, custa atender a p... do celular?!
- Tchau, gente, tenham um ótimo dia. - disse Betina saindo pela tangente e já sentindo que o clima ia esquentar.
- Ai, que estresse, Pierre. Eu estava dormindo.
- Até essa hora? A farra foi boa ontem hein? E que cara é essa? Aposto que você bebeu até cair. Já falei para você que isso é ridículo e que eu não quero mulher minha bebendo em porta de bar...
- Menos, Pierre, muito menos. Em primeiro lugar, eu não sou sua. Não tô à venda. Somos apenas namorados. Segundo, pimenta nos olhos dos outros é refresco né?

Eu acho engraçado os homens. Nós somos obrigadas a aguentar a ressaca deles depois de várias noites de bebedeira e com a gente isso não pode acontecer?!
Mas eu estava acostumada. Isso sempre acontecia. Toda vez que eu tomava um porre, o Pierre sempre me dava um sermão. Eu fingia que escutava tudo, mas na verdade só conseguia me concentrar na minha dor de cabeça. No fim sempre acaba tudo bem, ele me ajuda a tomar banho, prepara uma comidinha para mim e terminamos o dia de pés coladinhos se é que me entende...

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A Lili é o tipo de bêbada romântica e chata. Quase nunca bebe, mas quando resolve é sempre para afogar as mágoas. Tudo bem se eu e Betina não tivéssemos que ficar aguentando e ouvindo a noite toda, nossa amiga se lamentando pelo canalha do Otávio...

- Ele não podia ter feito isso comigo...eu faço tudo por ele..Di, ele não me ama mais? - dizia Lili segurando sua décima caneca de chopp
- Ele te ama sim, Lili - nessa hora nunca é bom contestar. A situação pode ficar pior e o porre ficar eterno.
- Não, ele não me ama não...como pode fazer isso comigo...você acha que ele me ama mesmo, Betina?
- Lili, já chega...hora de criança ir para cama né?
- Não...eu vou beber até morrer ...ele não me quer mais e eu não tenho porque viver...minha vida é uma desgraça...

O pior momento do porre da doce Lili era quando começava a chorar. O choro seria perdoável se não fosse um berro e as pessoas do bar não ficassem olhando para a nossa cara espantadas. Depois do choro, vinha a ânsia e, na sequência, o vômito. É nessas horas que a gente vê que amigo é mesmo para qualquer parada.

Sempre terminávamos a noite carregando a Lili pelos ombros e ouvindo o caminho todo as lamentações dela sobre o amor questionável do Otávio por ela. No fim, ela caía num sono profundo e acordava na manhã seguinte envergonhadíssima pelo que fez a gente passar. Desculpas mil, mas nós sabíamos que no primeiro fora começaria tudo de novo.

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Soltar as feras era o motivo para que a durona da Betina caísse na bebedeira geral. Minha amiga é a mais centrada de todas, durona, nunca quer dar o braço a torcer e vive recriminando nossas atitudes , mas quando ela ficava de porre...aprontava mais do que nós duas juntas.

- Hoje, eu vou deixar a vida me levar hein? - dizia Betina com um copo de whisky na mão e sambando no meio da balada.
A imagem pode suar um pouco forte para vocês, minhas amigas, mas essa era a Betina depois de cinco copos de whisky com altas doses de energético.

Confesso que, em alguns momentos, prefiro mais a Betina bêbada do que sóbria se não fosse as consequências que ela arrumava para gente.

- Diana, eu não tô acreditando...olha lá onde está a Betina...
Simplesmente, nossa amiga estava em cima de uma mesa (quase caindo) dançando "Creu"

- Minha nossa, esse porre é dos bons hein...

- Betina, desce daí, pelo amor de Deus...você vai cair...
- Uhu...subam meninas...créu-créuuuu

A gente não subiu, mas a homarada de plantão resolveu fazer companhia a ela que, em poucos segundos, desapareceu. Ficamos até o final da balada esperando o retorno da Betina, o que foi em vão. Era sempre assim. Ela bebia, dançava como uma louca na pista e acabava perdida com alguém na noite.

- Bom dia, cinderela - eu disse ao telefone para a perdida da Betina que já tinha encontrado seu local de origem
- Ai, Diana, eu estava dormindo...
- E posso saber com quem?
- Como assim com quem?
- Não se faça de louca, Betina...você sumiu depois da dança do Creu...
- Dança do creu?!
- E com direito a dançarinos e tudo...você arrasou dançando funk em cima da mesa...
- Créu?! Funk?! Em cima da mesa?! Minha nossa senhora, eu preciso parar de beber....
- Hahahahahahaha


PAPO DE CALCINHA: Qual foi o seu pior (ou melhor) porre?

sexta-feira, setembro 11, 2009

MAMÃE EU QUERO...SER?


Por Letícia Vidica

- Nossa, Lili, espero que seja algo muito importante que você tenha a dizer por que não foi nada fácil conseguir desdobrar o meu chefe... – eu disse toda esbaforida, suada e curiosa pelo que Lili tinha de tão importante a dizer que não pode esperar e nos escalou para um encontro de plantão no meio do expediente.
- Acho bom mesmo...não é porque eu sou autônoma que não tenho nada a fazer hein? – resmungou Betina
- Calma, gente...vocês não vão se arrepender.
- Então fala logo – gritamos eu e a Betina
- Eu acho que estou grávida!!! – disse Lili como uma criança que estava prestes a ganhar a tão esperada boneca da Xuxa de Natal. – Não é ótimo?

Fiquei tão surpresa que não consegui espantar reação. Deixei que o veneno da Betina falasse por mim...

- Como assim grávida? E o que você vê de ótimo nisso, Lili?!
- Vai ser o máximo...vocês vão ser titias – disse Lili batendo infantilmente palminhas e nos dando um abraço apertado
- Peraí, Lili...como assim ‘acha que tá grávida’...ou você está ou não está!
- É, Diana...faz um mês que minha menstruação está atrasada, ando me sentindo meio diferente, sabe...
- Mas você já fez o teste?
- Por isso mesmo que eu chamei vocês aqui.
- Agora tenho cara de mãe Diná por acaso? – disse Betina já vermelha de tanta raiva com a felicidade de Lili diante de notícia tão absurda.
- Chamei vocês aqui porque quero que venham comigo até a farmácia comprar um teste, daí a gente vai pro meu apê e fazemos o teste lá. Eu não poderia de deixar de dividir esse momento com vocês...eu sempre sonhei em ser mãe...e no Sim da maternidade, vocês tem que estar comigo...
- Amiga, eu adoraria estar com você...apesar de eu ainda estar tonta com tudo isso...fico muito feliz por você, mas se eu não chegar daqui a 30 minutos no meu trabalho, eu estou na rua! Bê...
- Já sei, já sei...lá vai a mãe Betina...vamos fazer assim, eu vou com você, Lili... a gente compra o tal teste e de noite a Diana passa lá na sua casa e fazemos o teste juntas ok?

Confesso que voltei para o trabalho e passei o resto do dia ainda um pouco tonta com a notícia da Lili ser mãe. Não sei se eu me espantava mais pelo fato dela ser mãe ou de eu me tornar titia...tão nova e sem casamento?! Seria esse o meu fim?


À noite, corri para a casa da Lili e ela estava ansiosíssima me esperando. A Betina já tinha fumado uns dois maços de cigarro de tanto nervoso com a falação da Lili e seus planos futuros com o bebê.

- Ainda bem que você chegou...eu não agüentava mais esse papo de fralda, mamadeira...
- Desculpa, gente, eu tentei saí o mais rápido possível. E aí fizeram o teste?
- Eu prometi que ia esperar vocês duas aqui. Vamos lá ao banheiro?
- ‘Peraí, Lili. E o pai da criança? Cadê? Quem é?
- Diana, deixa de ser ingênua...é claro que o pai do pivete é o cachorro do Luis Otávio.
- Lili do céu...ficar com o Otávio já era a maior merda da sua vida, agora engravidar dele é um cagaço total...como isso pode acontecer? Você não tava tomando pílula?
- Ai, gente, eu não sei...eu tô me prevenindo...mas sei lá vai ver a pílula é de farinha né? Mas não importa...vamos fazer o teste logo.

Trinta longos e intermináveis minutos depois, Lili saiu do banheiro cabisbaixa e silenciosa...

- E aí? Deu positivo?
...
- Fala logo, Lili
...
- Dá essa porra aqui logo...hmmmm...faixinha rosa, faixinha azul...hmmmm – Betina arrancou o teste da mãe da Lili
- Deu negativo... - disse
- Ufa, você não está grávida... – respirei aliviada
- Não estou para a porcaria desse teste, mas eu não vou desistir!!!!
- Como assim não vai desistir?!
- Amanhã mesmo vou ao laboratório fazer um teste ... sempre me disseram que esses testes nunca erram para o positivo, mas para o negativo...é de duvidar.


Não adiantou retrucar muito menos fazer com que minha amiga desencanasse da idéia de ser mãe. E parecia que o espírito materno tinha tomado conta do ar...
...era domingo, almoço de família na casa do Pierre. Os homens estavam na sala assistindo o tradicional jogo das quatro da tarde e as mulheres fofocavam no seu habitát natural, a cozinha...

- Nossa, mas que maravilha, Patrícia...um filho é sempre uma benção... – dizia Luzia, a tia do Pierre para a prima dele que estava grávida de dois meses e revelara naquele almoço para a família.
- E você, Diana, não pensa em ter um também? – essa era a pergunta que eu sabia que viria, mas que tinha a esperança de que não viesse
- Ainda não, tia Luzia. Tenho muitos planos ainda...
- Vai esperar até quando. minha filha?! Já tá quase com 30 anos nas costas. Se esperar mais vai virar mãe avó!!! – naquele momento saía uma resposta afiadíssima para aquela gorda da tia Luzia, mas minha querida sogra fez o favor de me interromper...
- Ah, eu adoraria ter um neto mesmo...e acho uma ótima idéia você e o Petico providenciarem isso... já passou da hora...todas as minhas amigas tem neto, menos eu...

Resolvi não encarar essa briga pela maternidade, mas saí de lá me sentindo um ser extraterrestre por querer ser normal e não compartilhar do mesmo espírito materno.

- Amor, sua mãe e sua tia me pressionaram hoje para que eu tivesse um filho!!! – disse ao Pierre enquanto assistiamos a um filme no sofá do meu apê.
- Jura?! Até que não seria má idéia? Eu sempre quis ter um pivete... – disse o Pierre como um garoto de 10 anos que abre seu presente de Natal – e se você quiser podemos fazer agora mesmo...
- Para, para Pierre, eu tô falando sério!!!
- Mas eu também ou você acha que eu tô brincando? Acho que poderíamos mesmo pensar em ter um filho....
- Você tá ficando louco né?
- Não entendo qual é o problema, Diana...a gente tá junto há um ano, somos adultos, crescidos, praticamente moramos juntos...
- Falou e disse praticamente, mas não somos casados. Mal consigo me sustentar...
- Já te falei que isso não é problema, mas pensa no assunto e depois a gente volta a falar disso.

E eu realmente pensei. Era o que eu mais pensava naqueles dias. “Eu deveria ser mãe agora?” Não estaria cometendo uma loucura? E para me deixar mais doida, a mãe do Pierre não parava de falar e sonhar com a idéia de ser avó e o Pierre, para ajudar, também viajou na idéia. Resolvi ligar para a pessoa que tem a maior sanidade do planeta...

- Bê...eu não sei mais o que eu faço...não aguento mais ouvir..’Você tem que engravidar’, ‘Eu quero um filho’, ‘Eu quero um neto’...tô ficando louca!!! Outro dia até esqueci de tomar meu anticoncepcional acredita?
- Relaxa, Diana... isso é normal...sua sogra tá empolgada com o sobrinho, mas daqui a pouco ela vê que não é bem assim...
- Espero. Teve notícias da Lili?
- Ai, nem me fala dela...tem me ligado todos os dias para falar da ansiedade do resultado...inclusive pediu que eu te ligasse porque quer todas juntas lá no laboratório...
- Minha nossa senhora, como a Lili é dramática.Já transformou a gravidez dela em reality show!


E o tão esperado dia do resultado chegou. Fomos as três para o tal do laboratório. Lili chegou tão nervosa que nem conseguiu buscar o envelope. Fui retirar no nome dela.
Como uma cena final de filme de suspense, Lili abriu o envelope. Respirou, suou frio, pensou e abriu...

- Eu NÃO acreditooooo!!!! – berrou
- Tá grávida?
- Não, Diana, eu não estou grávida!!! Como assim?
Enquanto a Lili se desconsolava, eu e a Betina comemorávamos.
- E vocês comemoram?
- Ai, Lili, relaxa...continua treinando, mas vê se com a pessoa certa. – eu disse
- Só vocês mesmas para verem graça nessa situação...eu queria tanto ser mãe...já tinha até comprado uma roupinha de bebê, pesquisei berços...jurava que eu estava grávida...
- Mas não está! E vamos bebemorar que a vida é bela. Vai ver foi um sinal de que o Otávio não te merece e muito menos merece ser o pai do seu filho. – disse Betina toda animada e aliviada por não ter mais que ouvir as ladainhas de mãe da Lili

Eu confesso que fiquei triste pelo fato da Lili não realizar o sonho de ser mãe, mas também me senti aliviada por tirar das minhas costas a sensação de que eu teria que ser a próxima, ou pior ainda, que eu teria que ser titia...


Papo de calcinha:
E você pensa em ser mãe um dia ou já foi pressionada em ser?

sábado, setembro 05, 2009

MULHERES QUE AMAM DEMAIS


Por Letícia Vidica

- Nossa, Lili, como você está magra!!! Tudo bem que precisava perder um quilinhos, mas não precisava virar um esqueleto... - comentava ao encontrar minha amiga com a pior cara do mundo, enfurnada em seu apê.
- Aposto que isso tem coisa de um tal de Luis Otávio...
- Não me fala o nome desse canalha, Betina! - dizia a amante enfurecida
- Calma, mas meu Deus, o que ele fez dessa vez?
- O Luis Otávio terminou comigo ... ontem...
- E qual a novidade nisso?
- Pega leve, Betina, não está vendo que a coisa não tá boa?
- Pega leve o c...!!! Isso não é mais novidade para ninguém aqui. Eu já perdi as contas das vezes que você e esse canalha do Otávio terminaram.
- Nisso, eu tenho que concordar, Lili. A Betina está certa. Vocês terminam praticamente quatro vezes por mês. Você nem tinha que se assustar mais com isso...
- Para vocês duas que são corações gelados é fácil falar né? Parece até que não me conhecem...

Realmente, parece que naquele momento por um instante eu e a Betina havíamos esquecido quem era a Lili. A Lili é uma mulher romântica por natureza que acredita e que faz de toda história de amor um conto de fadas, acredita em príncipes encantados montados em um lindo cavalo branco. O problema é que os príncipes não aparecem para ela, ou melhor, ela insiste em escolher os dragões e acha que são príncipes, entende? Daí, quando o dragão solta seu fogaréu e abandona a princesa, Lili entra numa depressão e num sofrimento profundo. Ela é a típica Mulher Que Ama Demais. Se não bastasse amar demais, minha querida amiga sofre demais também e por quem nunca merece o seu sofrimento.

Naquele dia, Lili estava enfurnada em seu apartamento porque levara um fora do seu dragão encantado, o Otávio. Um sedutor pirata e um canalha de primeira. Porém, foi por ele que Lili se apaixonou e é capaz de morrer se for preciso.

- Tá, Lili, não adiante te convencer que o Otávio não presta. Mas peraí, vai ficar nessa cama até quando? - dizia Betina já sem paciência com mais uma das crises de amor da Lili.
- Me deixem em paz, eu vou ficar aqui até ele voltar. Eu não tenho forças para levantar.
- E se ele não voltar? Vai morrer aí?
- Quem sabe assim, Diana, ele se dá conta de que eu o amo de verdade.

Estava difícil convencer Lili a levantar daquela cama. Já que ela não sairia da cama, nos também não sairíamos do apê dela. Para passar o tempo, resolvemos fazer uma faxina no chiqueiro. Quando Lili entra nas crises depressivas de amor, se tranca no quarto, não toma banho, esquece de comer e também esquece de manter o mínimo de higiene e limpeza da sua casa. Parece loucura, pode até ser, um transtorno psicológico, sei lá, mas é a pura verdade.Dolorosa verdade.

- Amiga, já que você não quer sair da cama. Nós também não vamos te abandonar. Não arredamos o pé daqui!! - dissemos eu e Betina nos juntando a nossa amiga depressiva com um balde de pipocas na mão.

- Lili, você já tentou procurar ajuda? Outro dia você comentou que estava fazendo terapia...
- Parei. Terapia para quê? Aquela mulher só sabia dizer que eu tinha que largar do Otávio, que ele não fazia bem para mim, que eu estava me autodestruindo...
- Ah (risos) Talvez ela estivesse certa né, Lili? - questionou Betina
- Você tem que insistir. Uma boa terapia é o único remédio para te ajudar a lidar com esses sentimentos. Não adianta ficar fugindo da verdade né? Ela é dura, mas necessária.
- O que vai ser da minha vida sem ele? Eu não posso ficar sozinha, eu não sei ficar sozinha...me sinto sem chão...tô com uma dor no peito que parece que vou enfartar...tenho falta de ar durante o dia, não tenho fome, não tenho sono...perdi a única coisa que dava sentido a minha vida.
- Não seja exagerada, Lili. O Otávio podia te dar tudo, menos sentido à sua vida. O Otávio suga as suas energias. Olhe para você. Olha o estado que ele te deixou?

Por mais que a gente tentasse argumentar, não entrava na cabeça dela que sofrer daquele jeito não adiantaria nada. O problema é que aquilo não era um sofrimento normal. Era uma doença. E eu ali naquele quarto vendo minha amiga se definhar por causa de um canalha que não vale meio centavo de dólar, me sentia impotente.

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Eu sou do tipo de mulher que também sofre por amor, mas é um sofrimento na medida. Pelo menos, eu acho. Toda vez que eu brigo com o Pierre me sinto muito mal. Não tenho fome e também fico triste por dias e dias. Mas nada que se compare ao sofrimento que Lili sente.

Me lembro apenas de um único episódio que me levou a um sofrimento extremo. Eu devia ter uns vinte anos. Jovem, cheia de sonhos, esperanças, bonita. Uma presa fácil para qualquer sem-vergonha. Acabei me apaixonando por um garoto do último ano de medicina que também morava no mesmo campus que eu. Nos conhecemos numa dessas festas de faculdade, ficamos e ficamos e ficamos. O rolo já estava bem sério. Ele me apresentava para todos os amigos como sua namorada, fui visitar os pais dele em Ribeirão. Era 'love is in the air' total.

Porém, teve um final de semana que eu vim para São Paulo para visitar minha família e disse a ele que voltaria em dois, três dias. Insisti para que ele me acompanhasse, mas ele disse que teria que estudar para um exame complicadíssimo de anatomia humana que ele teria nos próximos dias.

Por conta de alguns imprevistos, acabei voltando um dia antes do previsto. Resolvi então fazer uma surpresinha para o meu amado. Fui correndo para o quarto dele no campus e sem hesitar abri a porta do quarto cheia de saudades e presenciei a aula de anatomia humana que ele estava praticando literalmente com a minha melhor amiga e colega de quarto do campus. Não teve tempo para explicações e nem discursos.

Tive a sensação que o chão tinha saído debaixo dos meus pés. Voltei para a casa dos meus pais e passei uns quinze dias de cama. Não queria comer, nem dormir, nem tomar banho. Só chorava. O tempo inteiro. E sentia uma dor imensa no peito que doía e me dava pontadas. Meus pais obviamente achavam que tudo aquilo era loucura, mas com o passar dos dias começaram a ficar preocupados com o meu estado de depressão profunda. Achei literalmente que eu morreria. Só consegui me recuperar por ajuda divina. Até hoje não sei como, mas consegui me levantar literalmente da cama e prometi a mim mesma que nunca mais ficaria assim por ninguém.

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Passamos aquela noite toda no apartamento da Lili. Com muito custo, conselho e broncas, ela conseguiu pegar no sono. E eu e a Betina ficamos a noite toda pescando os olhos, pois de preocupação a gente não conseguia dormir. Para não atrapalhar a primeira noite de sono depois de muitas mal dormidas da Lili, fomos fofocar e fumar na varanda.

- Sabe, eu não consigo entender porque a Lili fica desse jeito.
- Ela ama demais, Betina.
- Tudo bem querer amar, mas sofrer a esse extremo é loucura!!!! Qualquer dia ela se mata por isso.
- Vira essa boca para lá, Bê.
- É verdade...isso tá ficando cada vez mais sério... pensei até em ligar para a mãe dela, mas...
- De nada adiantaria. Aquela dondoca da mãe dela só quer saber de tomar pílulas antienvelhecimento e traçar garotinhos. Nunca vi família mais desequilibrada.
- Vai ver é por isso que a Lili fica assim né?

...

- Meninas? - disse Lili com a cara amassada na porta da varanda
- Lili?! Desculpe, te acordamos?
- Vocês passaram a noite toda acordadas?! Nem sei como agradecer pelo carinho, mas vocês não podem anular a vida de vocês pela minha...
- Você é que não pode anular a sua, amiga.
- Podem ir embora. Eu vou ficar bem.
- Vai mesmo?
- Vou sim, Diana - disse Lili me dando um abraço e um beijo
- Promete que vai dar notícias?
- Prometo, Betina!

Fomos embora de coração partido, apesar de sabermos o fim daquela história que sempre era a mesma. Em poucos dias, o Otávio apareceria. Ia se declarar fajutamente para ela, ela acreditaria, iam viver mais um conto de fadas pirata até o próximo pé na bunda, no qual Lili ia sofer demais. Demais por amar demais.

PAPO DE CALCINHA: Você é uma mulher que ama demais? Ou conhece alguma?