terça-feira, agosto 29, 2006

A OUTRA DA HISTÓRIA


Por Letícia Vidica

Nós, mulheres, somos um bicho estranho realmente. Dependendo da lua, a gente varia o nosso humor e a nossa opinião também. Quando eu namorava com o Beto, há muito tempo atrás (porque faz muito tempo mesmo que eu namoro), em abominava traição. Morria de ódio, quando ele vinha me contar as histórias dos seus amigos garanhões que traíam as namoradas. Ficava irada mais ainda com as desculpinhas para trair (que são sempre as mesmas tiradas do Manual da Traição): ‘Nosso relacionamento não está legal”, “Ela já não é mais atenciosa”, “Estou confuso”... todas regadas de muito drama e nenhuma vergonha na cara.

Sempre fui do tipo de mulher que acha que, se o namoro não está legal, é mais fácil terminar. Fácil também é dizer, quando não se vive. Cá estava eu, estática na praça de alimentação daquele shopping, com um sorvete na mão e boquiaberta com a declaração da Betina:

- Di, aquele não é o Carlos?! Ao lado daquela mulher maravilhosa e daquele garotinho fofo?!

Rebobinando a história: Eu conheci o Carlos num workshop que a agência em que eu trabalho promoveu. Um cara muito culto, descolado, inteligente, lindo e maravilhoso. Nem preciso falar que me derreti toda né? A gente, obviamente, se envolveu e bastante. Toda semana a gente se via e eu estava realmente ligadona nele. Cheguei até a pensar que ele era o homem da minha vida. Porém, naquele instante, achei que meu homem estava era saindo da minha vida.

Pude constatar com meus próprios olhos naquele shopping de que o príncipe encantado já tinha uma rainha e um principezinho lindinho por sinal.

- Não acredito que esse cachorro é casado!

- Você nunca percebeu nada, Di?

- Como eu ia perceber?! O cara me liga todo dia, vai lá em casa e você quer que eu ache que ele ia ter tempo para uma família?

- Mas, pelo visto, tem...Se eu fosse você, ia lá agora e cumprimentava ele. Quero ver a cara com ele vai ficar. – A Betina era do tipo barraqueira mesmo e já queria ver o circo pegar fogo, mas eu preferia apagar a fogueira.

- Deixa ele com a familiazinha dele!

Fui para casa irada aquele dia. Como eu podia ser enganada? Ele não tinha o direito e nem eu tinha o direito de destruir uma família feliz. Eu podia ser responsável pelo futuro daquele garotinho. Se os seus pais se separassem por minha causa, ele poderia crescer revoltado! Peraí...eu não tinha que me sentir assim, afinal o cachorro da história era o Carlos e não eu! Resolvi que ia sumir da vida dele, mas ele não quis sumir da minha.

Andava me ligando, mas eu nunca atendia. Deixava recados na caixa postal, na secretária eletrônica, mandava emails ... mas eu me mantive firme e não quis saber dele. Insistente como sempre, um dia desses estava saindo da agência, quando vi que alguém me esperava do outro lado da rua – era o Carlos!

- Diana, o que houve? Por que você não me atende mais?

Como era cínico.

- Não quero atrapalhar sua vida.

- Como assim? O nosso lance está tão bacana, como você vai atrapalhar?

- Eu não quero ficar entre você e sua esposa.

Naquele momento, ele se calou e ficou me olhando com cara de espanto.

- Não precisa dizer nada não,Carlos. Eu vi a família feliz andando no shopping. Se você não é homem suficiente para me contar, eu sou mulher suficiente para sair da sua vida. Adeus.

Ele me pegou pelos braços e pediu para se explicar. Eu não deveria escutar nem uma vírgula dele, mas fui até o bar do outro lado da rua, aceitei uma cerveja e pus os meus ouvidos a escutarem suas desculpas. Ele disse que era casado há 9 anos, mas que nos últimos tempos o relacionamento não estava legal, ele não era mais feliz , até que eu apareci na vida dele. Ele disse que sabia que não era certo esconder de mim, mas que ia me contar logo mais. Perguntei porque ele não se separava então. Disse que o Lucas, o filho, tinha alguns probleminhas e ele não poderia deixar o filho na mão. Porém, prometeu que ia tomar uma solução rápida e me pediu para ser paciente e eu...

Fui paciente por mais cinco meses. Eu só podia ser uma idiota mesmo né? Eu que sempre abominei traições, agora era a responsável por uma delas. Estava sendo a outra da história. Suportei a ausência dele aos finais de semana, a presença dele na minha casa duas ou três vezes na semana, me submeti a ser discreta ... tudo acreditando na separação.

Separação esta que só rolou com a gente. Certo dia, ele apareceu lá em casa e eu estava toda produzida e minha casa também: jantazinho , velas na mesa, vinho, uma música no som, lingerie nova... e telefone tocando.

- Carlos? Oi, amor. Estou lhe esperando.

- É, eu sei...mas eu não vou poder ir.

- Como assim não vai poder ir? Eu fiz tudo que você mais gostava, até cozinhar eu cozinhei, abri o meu melhor vinho e você vai me deixar aqui plantada?

- Tente entender,florzinha. O Lucas não passou bem esta noite e eu e a Laura, minha esposa, resolvemos que a melhor solução é levá-lo para se tratar no Exterior. Parto amanhã para o Canadá.

- Como assim?! Você fala como se estivesse indo para o outro lado da esquina? E a separação?

- Desculpe, minha flor. Eu não queria te magoar.

Naquela noite, só mesmo minha amiga de guerra para me consolar. Passei a noite toda chorando no colo da Betina. Não sei se eu chorava mais de raiva dele ou de mim que, mais uma vez, achou que poderia viver um conto de fadas.

Nunca mais falei com o Carlos e nunca mais também quis ser a outra da história. Decidi que se eu não for a história, do outro lado eu também não quero ficar.

PAPO DE CALCINHA: Cara amiga, fala pra mim, você já foi a outra? Conte sua história para gente!